Foi hoje. Estas coisas de nos sentarmos a conversar comporta o risco de darmos por nós, mesmo que não achemos que estamos no timming certo, a abrir o coração. Talvez tenha sido do cansaço em que ando, talvez tenha sido a vontade de já não guardar nada, talvez tenha sido porque me senti bem. Não sei. Mas sei que te disse muitas coisas antes de te dizer o que para ti era impensável e, tenho a impressão, não ousavas pensar que pudesse vir a suceder.
Aconteceu outro dia, voltou a acontecer mais vezes. Apercebi-me, assim, de repente que quando um homem me chama a atenção, comparo-o contigo. Sem dar por isso, a imagem que me serve de modelo nestas coisas de homens és tu. E dar por ti assim, a passear tão descontraidamente por entre as pedras caídas das minhas muralhas (logo eu, tão vigilante, tão atenta, tão desconfiada) foi qualquer coisa que me surpreendeu e muito. Mas aconteceu.
Tu reagiste de uma maneira muito próxima daquilo que eu imaginava. Deste-me o espaço que te pedi, o tempo de que necessito para não perder o pé mais do que senti que já perdi. Disseste duas ou três coisas que me deixaram a olhar. Trataste-me como me sempre me tratas, muito bem (tão bem que me assusta, tu sabes, porque não estou habituada a que me tratem assim).
Agora não sei muito bem o que fazer com este passo dado à frente que me deixou a balançar na corda. Recomeçar do zero não é fácil. Não sei se quero, não sei se consigo, não sei nada e sei, ao mesmo tempo. Assusta mais, muito mais do que poderia pensar. Talvez por isso, quando nos separámos (o trabalho não perdoa), a viagem foi feita num misto de emoções. Ri e chorei, senti-me perdida e terrivelmente preocupada contigo, senti-me feliz, fiquei sem saber se fiz bem ou mal.
Agora, horas depois, e porque o trabalho também nos desembrenha dos pensamentos, sinto-me tranquila. Tenho a impressão que deixei contigo o vulcão e trouxe o sossego. É como se tivesse aberto o reduto de paz que tu consegues ser e me tivesse sentado lá dentro a descansar. Guardei o teu olhar e tenho estado a olhar para ti, em silêncio, no meu silêncio. Mas os medos… Esses vão e vêm, enquanto equaciono e peso ‘as variáveis’. Há de todos os tipos, para dar e vender. Listei-tos provavelmente quase todos, senão todos, que nos habituámos a conversar e a escavar tudo até ao mais fundo que conseguimos. Antes, e sem que desses por isso, marquei fronteiras, esclareci posições, mostrei-te o que quero para mim.
Não sei onde isto vai parar (era tão bom se conseguíssemos prever o futuro, não era?). Sei só que já me chega e já te chega de dor. Já chega, não a quero para mim e não quero trazer-ta também. No meio das dúvidas e dos medos, isso sei bem. É um início, por entre as incertezas.