Este afã parou um pouco no meu décimo ano, quando as letras passaram a fazer parte da minha vida de tal forma que descanso era não ler. Passados uns anos retomei, contudo, este amor interrompido. Leio de tudo outra vez. Jornais, romances, biografias, BD e muito mais. Faltam-me uns quantos clássicos e ainda bem: tenho a impressão que algumas obras só devem ser lidas quando os anos já nos vão trazendo algumas lições e o que está escrito assume o seu lugar na sabedoria do nosso coração.
Tenho um livro que vou lendo devagar. A bem dizer, ando a lê-lo há quase um ano. Como é feito de pequenos textos, posso saboreá-lo sem pressas, à medida que me vai apetecendo. Comprei-o por impulso, um dia, e, ao começar a lê-lo, deparei-me com pensamentos imensamente semelhantes aos meus. A autora foi talvez a primeira pessoa que experimentei como parecida comigo. Hoje peguei nele mais uma vez e sorri. O texto 69 (mmm… Este número lembra-me alguma coisa…) espelha-me em várias coisas, fazendo-me confrontar comigo mesma no seguinte:
“A propósito, descobri a minha palavra. Descobri-a na biblioteca, é claro, ou não fosse eu um rato de biblioteca. (…) Estava a ler um texto antigo sobre o ioga quando encontrei a descrição de pessoas desse tempo em demanda espiritual. Nesse parágrafo, aparecia uma palavra em sânscrito: ANTEVASIN. Significa alguém que vive na fronteira. (…) O antevasin era alguém entre dois mundos. Habitava essa fronteira. De onde estava, podia ver ambos os mundos, mas olhava para o desconhecido. (…) Ainda é possível viver naquela linha difusa entre o velho pensamento e o novo entendimento, sempre em estado de aprendizagem. Em sentido figurado, esta é uma fronteira que está sempre a deslocar-se – à medida que avançamos nos nossos estudos e percepções, aquela misteriosa floresta do desconhecido mantém-se sempre alguns passos à nossa frente, para que tenhamos de andar ligeiros para a continuarmos a seguir. Temos de nos manter móveis e flexíveis. Até mesmo escorregadios. (…)
Tinha passado tanto tempo nos últimos anos a perguntar a mim própria qual o meu papel. Esposa? Mãe? Amante? Celibatária? Italiana? Glutona? Viajante? Artista? Iogue? Mas não sou nenhuma dessas coisas, pelo menos não completamente. E também não sou a tia maluca. Sou apenas uma antevasin escorregadia – por entre e no meio de – uma aluna na fronteira em constante mudança junto à floresta maravilhosa e assustadora do que é novo.”
Elizabeth Gilbert – Comer, orar, amar
6 comentários:
Irra, um ano??????
Eu ja tinha desistido de tentar o ler :)
http://www.youtube.com/watch?v=DZaX3HJJrz4
Vivemos nas fronteiras com medo de cair, com medo de que a queda nos precipite, para que queremos nós as asas?
Minhoca:
Um ano porque eu quis assim. Às vezes é bom ler devagar... :)
catcha pum pum pam:
I'll be searching for something new. No turning back now. ;)
LBJ:
Asas não tenho, tenho só dois pés, cabeça para pensar e coração para sentir. O medo pode-me fazer andar mais devagar, mas não me faz parar. :)
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