quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Antevasin

Adoro ler. Desde pequena que me lembro de andar com livros na mão. Em qualquer lado. Lia às escondidas, à noite, com um foco debaixo dos lençóis. Debaixo da cama, a ouvir a minha mãe a chamar-me tempos infinitos. Lia quando me deitava; acordava e punha-me a ler. Lia tudo o que apanhava, até os policiais escondidos no Antigo Testamento (para meu grande desgosto, só muito mais tarde me apercebi do interesse do Cântico dos Cânticos).

Este afã parou um pouco no meu décimo ano, quando as letras passaram a fazer parte da minha vida de tal forma que descanso era não ler. Passados uns anos retomei, contudo, este amor interrompido. Leio de tudo outra vez. Jornais, romances, biografias, BD e muito mais. Faltam-me uns quantos clássicos e ainda bem: tenho a impressão que algumas obras só devem ser lidas quando os anos já nos vão trazendo algumas lições e o que está escrito assume o seu lugar na sabedoria do nosso coração.

Tenho um livro que vou lendo devagar. A bem dizer, ando a lê-lo há quase um ano. Como é feito de pequenos textos, posso saboreá-lo sem pressas, à medida que me vai apetecendo. Comprei-o por impulso, um dia, e, ao começar a lê-lo, deparei-me com pensamentos imensamente semelhantes aos meus. A autora foi talvez a primeira pessoa que experimentei como parecida comigo. Hoje peguei nele mais uma vez e sorri. O texto 69 (mmm… Este número lembra-me alguma coisa…) espelha-me em várias coisas, fazendo-me confrontar comigo mesma no seguinte:

“A propósito, descobri a minha palavra. Descobri-a na biblioteca, é claro, ou não fosse eu um rato de biblioteca. (…) Estava a ler um texto antigo sobre o ioga quando encontrei a descrição de pessoas desse tempo em demanda espiritual. Nesse parágrafo, aparecia uma palavra em sânscrito: ANTEVASIN. Significa alguém que vive na fronteira. (…) O antevasin era alguém entre dois mundos. Habitava essa fronteira. De onde estava, podia ver ambos os mundos, mas olhava para o desconhecido. (…) Ainda é possível viver naquela linha difusa entre o velho pensamento e o novo entendimento, sempre em estado de aprendizagem. Em sentido figurado, esta é uma fronteira que está sempre a deslocar-se – à medida que avançamos nos nossos estudos e percepções, aquela misteriosa floresta do desconhecido mantém-se sempre alguns passos à nossa frente, para que tenhamos de andar ligeiros para a continuarmos a seguir. Temos de nos manter móveis e flexíveis. Até mesmo escorregadios. (…)
Tinha passado tanto tempo nos últimos anos a perguntar a mim própria qual o meu papel. Esposa? Mãe? Amante? Celibatária? Italiana? Glutona? Viajante? Artista? Iogue? Mas não sou nenhuma dessas coisas, pelo menos não completamente. E também não sou a tia maluca. Sou apenas uma antevasin escorregadia – por entre e no meio de – uma aluna na fronteira em constante mudança junto à floresta maravilhosa e assustadora do que é novo.”

Elizabeth Gilbert – Comer, orar, amar

6 comentários:

Minhoca disse...

Irra, um ano??????

Eu ja tinha desistido de tentar o ler :)

catcha pum pum pam disse...

http://www.youtube.com/watch?v=DZaX3HJJrz4

LBJ disse...

Vivemos nas fronteiras com medo de cair, com medo de que a queda nos precipite, para que queremos nós as asas?

mf disse...

Minhoca:
Um ano porque eu quis assim. Às vezes é bom ler devagar... :)

mf disse...

catcha pum pum pam:
I'll be searching for something new. No turning back now. ;)

mf disse...

LBJ:
Asas não tenho, tenho só dois pés, cabeça para pensar e coração para sentir. O medo pode-me fazer andar mais devagar, mas não me faz parar. :)