Vou pôr aqui hoje uma coisa de que falo raras vezes, com raras pessoas (não sei porque é que me dou ainda ao trabalho de dizer isto, se é uma constante em mim. Eh eh). Mas isto é diferente e fiquei a pensar se o deveria fazer. Não é incomum em quem passou por coisas assim, mas depois achei que não haveria razão nenhuma para não contar. E pode até ser que alguém que leia isto pense duas vezes, se algum dia lhe acontecer.
Foi há quase vinte anos (ui... isto soa mesmo mal...). Tinha eu os meus 16 ou 17 e andava numa escola de línguas. Uma noite, já não me lembro porquê, fiquei de repente sem boleia para ir para casa, mesmo no fim das aulas, e a minha mãe teve de me vir buscar. Como a terra onde vivíamos não era propriamente ali ao lado, tive que esperar. A escola fechou, entretanto, e fiquei ali a aguardar. Uns minutos depois, apareceu na rua meia dúzia (uma dezena?) de rapazes aproximadamente da minha idade ou ligeiramente mais velhos. Ao passarem por mim, um, apenas um, aproximou-se, olhou-me de alto a baixo e contornou a coluna onde eu estava encostada. Como que a tirar-me as medidas. Os outros riam-se, entretanto. Mantive-me absolutamente quieta, aparentemente imperturbável e nem olhei para ele. Acabaram por se afastar.
Penso que nunca teria acontecido nada de mais, dado que havia gente a circular ali perto, mas lembro-me de pensar que eu, contra o grupo, nunca teria a mínima hipótese.
Depois, lembro-me de ter andado com uma sensação de estar imunda... Uma sensação absolutamente horrorosa, que não desejo nem ao meu pior inimigo, que me levava apenas a ter vontade de me enfiar na banheira e arrancar (literalmente falando) a pele. Como se ela, de repente, tivesse deixado de me pertencer e fosse apenas esterco colado à carne. Não consigo explicar melhor, sei apenas que é uma coisa horrível de sentir. Durou apenas dois dias, mas lembro-me de pensar que aquilo era provavelmente o sentimento de que as vítimas de violação falavam.
Não tenho, hoje, e que eu saiba, quaisquer problemas relacionados com isto. Mas recordei o episódio no dia em que me deparei com a notícia de que uma rapariga foi obrigada a aguardar 12 horas pelas perícias médicas a que se deve proceder em caso de violação. O hospital justificou-se, dizendo que não as fazia, porque na área de Lisboa elas eram da competência do Instituto de Medicina Legal e não lhes competia fazer um esfregaço nem uma zaragatoa. E este não foi caso único.
Uma coisa tão simples não se faz na capital... Não compreendo nem aceito. Ainda por cima porque há leis que dizem que, em casos de necessidade, os médicos do hospital podem substituir os do IML.
Deve ter sido uma coisa absolutamente pavorosa para aquelas raparigas esperarem 12 horas para tomar banho ou lavar os dentes. E o que se passou é de uma dureza de coração e de uma frieza absolutamente inaceitáveis para mim. Um médico não serve apenas para receitar medicamentos. Um bom profissional zela pela saúde física e psicológica dos pacientes. Mas quer-me parecer que anda aí muita gente para quem as pessoas são um bocado de carne e nada mais.
Eu não desejo mal a ninguém, mas há gente, às vezes, que precisava de passar por elas para ver o que custa...
PS - O meu irmão está a tirar medicina. Nunca ouviu esta história nem conhece este blog. Tenho a impressão que um dia me vou sentar com ele a conversar sobre o assunto. Tão somente para que nunca trate nenhuma paciente assim.
Foi há quase vinte anos (ui... isto soa mesmo mal...). Tinha eu os meus 16 ou 17 e andava numa escola de línguas. Uma noite, já não me lembro porquê, fiquei de repente sem boleia para ir para casa, mesmo no fim das aulas, e a minha mãe teve de me vir buscar. Como a terra onde vivíamos não era propriamente ali ao lado, tive que esperar. A escola fechou, entretanto, e fiquei ali a aguardar. Uns minutos depois, apareceu na rua meia dúzia (uma dezena?) de rapazes aproximadamente da minha idade ou ligeiramente mais velhos. Ao passarem por mim, um, apenas um, aproximou-se, olhou-me de alto a baixo e contornou a coluna onde eu estava encostada. Como que a tirar-me as medidas. Os outros riam-se, entretanto. Mantive-me absolutamente quieta, aparentemente imperturbável e nem olhei para ele. Acabaram por se afastar.
Penso que nunca teria acontecido nada de mais, dado que havia gente a circular ali perto, mas lembro-me de pensar que eu, contra o grupo, nunca teria a mínima hipótese.
Depois, lembro-me de ter andado com uma sensação de estar imunda... Uma sensação absolutamente horrorosa, que não desejo nem ao meu pior inimigo, que me levava apenas a ter vontade de me enfiar na banheira e arrancar (literalmente falando) a pele. Como se ela, de repente, tivesse deixado de me pertencer e fosse apenas esterco colado à carne. Não consigo explicar melhor, sei apenas que é uma coisa horrível de sentir. Durou apenas dois dias, mas lembro-me de pensar que aquilo era provavelmente o sentimento de que as vítimas de violação falavam.
Não tenho, hoje, e que eu saiba, quaisquer problemas relacionados com isto. Mas recordei o episódio no dia em que me deparei com a notícia de que uma rapariga foi obrigada a aguardar 12 horas pelas perícias médicas a que se deve proceder em caso de violação. O hospital justificou-se, dizendo que não as fazia, porque na área de Lisboa elas eram da competência do Instituto de Medicina Legal e não lhes competia fazer um esfregaço nem uma zaragatoa. E este não foi caso único.
Uma coisa tão simples não se faz na capital... Não compreendo nem aceito. Ainda por cima porque há leis que dizem que, em casos de necessidade, os médicos do hospital podem substituir os do IML.
Deve ter sido uma coisa absolutamente pavorosa para aquelas raparigas esperarem 12 horas para tomar banho ou lavar os dentes. E o que se passou é de uma dureza de coração e de uma frieza absolutamente inaceitáveis para mim. Um médico não serve apenas para receitar medicamentos. Um bom profissional zela pela saúde física e psicológica dos pacientes. Mas quer-me parecer que anda aí muita gente para quem as pessoas são um bocado de carne e nada mais.
Eu não desejo mal a ninguém, mas há gente, às vezes, que precisava de passar por elas para ver o que custa...
PS - O meu irmão está a tirar medicina. Nunca ouviu esta história nem conhece este blog. Tenho a impressão que um dia me vou sentar com ele a conversar sobre o assunto. Tão somente para que nunca trate nenhuma paciente assim.
8 comentários:
há coisas que nem se devem comentar...
Prendinha no meu buraco ;)
Beijos
Muito curioso. Já tinha reflectido antes como o problema da fragilidade e da defesa físicas são presença assídua no que contas. Esse velho episódio encaixa no conjunto - raiz?
Quanto ao resto, é uma realidade triste. Parece um braço-de-ferro também ele antigo...
LBJ:
Pois. É mais para fazer pensar do que outra coisa, este post.
Vou veeeeeeeeeeeeeeeeeeeeer!!!!!! :D
R.:
O meu conjunto-raiz provoca em mim, de facto, um efeito de fragilidade e defesa, mas nasceu muitíssimo antes deste episódio e as defesas são mentais, não físicas. De facto, eu não tenho defesas físicas em relação aos homens que possa considerar sequelas deste episódio. A não ser aquele 'chega para lá' que dou quando me aparecem aqueles homens-cola (acho que nunca me aconteceu com mulheres, mas também as há) que se encostam e tocam sem que haja qualquer tipo de intimidade. Há homens e mulheres assim, que parecem que precisam de estar sempre agarrados. Detesto isso. Se vem daqui? Não sei. Acho que não. Mas ainda bem que vem. É sinal que há limites que o meu corpo não gosta de ver ultrapassados. :)
Realmente, só mesmo coisa de terceiro mundo. E mesmo nesse acho que a defesa da rapariga era logo tomada como imediata. Ao pé deste, o meu postito de há minutos deixou logo de ter piada.
Vou te dizer uma coisa: tenho certa dificuldade com textos longos ( e acho que nem sou exceção na net...rs...), mas vc e o LBJ me pegam. Termino o texto querendo ler mais! O que é isso, hein? rs...
Bom, tenho algumas histórias parecidas com esta (o que é compreensível por ter morado num grande centr brasileiro e por ter muitos mais anos de vida a contar). Sei desta sensação de contaminação que a gente sente e o qto ela é horrível. Mas acho que pra se livrar de algo assim é preciso exorcisar. E falar sobre é um bom exorcismo, viu?
Qto à saúde pública... nem queira saber das horas que se aguardam por aqui! :)
Beijocas
volteface:
A sorte é que a vida é feita de boas coisas também. :)
Euza:
Os diabinhos são assim, sabia? Quando a gente menos espera levam a fazer coisas impensáveis! Eh eh
Você tem razão e deu o nome certo: exorcisar. É o que vou fazendo agora. :)
Quanto à saúde pública, às vezes é mesmo complicado por aqui... :S
Enviar um comentário