Não vir aqui é uma coisa estranhíssima. Isto de estar sem Internet já não faz parte dos meus hábitos. Por um lado, não ter o pc sempre ligado é um descanso (necessário). Por outro, contudo, sinto a falta de verbalizar o que anda cá dentro. E de saber daqueles que gosto de acompanhar.
Como a necessidade pode muito, descobri como funciona a net no telemóvel, mas o ecrã demasiado pequeno e a impossibilidade de pôr a render todas as funcionalidades a que estou habituada complicou um bocadito a questão. Não deixei, no entanto, de me sentir como uma criança à frente de uma bancada de doces. Eh eh
Entretanto, e finalmente, descobri um sítio onde vos posso vir ‘cuscar’. E onde posso deixar pensamentos soltos daquilo que têm sido a minha vida. A minha cabeça, estes dias, parece uma carteira cheia de trocos e há moedas grandes e pequenas. Para todas as ocasiões, para todos os bolsos. Tenho a impressão que, se chocalhasse a cabeça, ela tilintaria por todos os lados. Parte desses trocos ficam aqui, partilhados.
1 - Tenho tido pouco tempo para mim, que as pequerruchas não desistem de andar atrás da tia. Uma dum lado, outra de outro, é assim que andamos na rua. Muitas vezes, não há cá pais, tios, avós. Ele é ‘tia’ e acabou-se.
Apesar disso, encontrei, ao longo destes dias, o meu espaço. Para passear, ler, descansar esta cabeça a olhar o mar. Virão mais dias destes e conto passá-los com a mesma rotina. Sabe-me bem este espaço que demorei a conquistar, mas que agora me pertence e de que não quero abdicar mais.
2 – Domingo fui à missa aqui à capelinha da terra. Um calor sufocante é o que nos espera, mas a velha estratégia de ficar à porta resulta sempre. Gosto desta missa, sobretudo pelo padre que a celebra. Desconfio que irei várias vezes ao Sagrado Coração de Jesus só para o ouvir. É um padre muito simples, pouco virado para grandes filosofias, mas, com ele, ninguém sai dali sem um sorriso nos lábios. Desta vez foi gargalhada, mesmo. É bom encontrar quem ache, como eu, que Deus inventou foi o riso e que o choro só nasceu de um momento em que Ele dormitava e se enganou na obra. Mas desta vez não foi isso que me chamou mais a atenção. A determinada altura, entrou na igreja uma senhora já de idade que, ao ver que não tinha lugar, se preparou para ir embora pesarosa, porque não podia ficar de pé. Apontei-lhe o único lugar livre, que ninguém tinha ocupado, e ela sentou-se e ali ficou. Uns minutos depois, outra senhora, ainda mais velha. De bengala. Não havia nenhum lugar vago e ali ficou, de pé. O cabelo grisalho muito bem arranjado e a cor nos lábios não ocultavam a dificuldade em manter uma postura direita. Olhei em redor. Eu, em pé, não podia fazer nada. Mas chocou-me ver algumas pessoas sentadas na primeira fila de bancos aparentando trinta ou quarenta anos que nem um músculo mexeram. Homens e mulheres. Se calhar sou eu que sou retrógrada ao pensar que, mais do que delicadeza, há um valor chamado solidariedade que não pode morrer em cada um de nós. Não sei se essas pessoas a viram ou não no momento. Mas viram-na pelo menos a passar, porque atravessou a igreja mesmo em frente a eles. Para se ir sentar no lugar de que um senhor, tão velho como ela, abdicou.
3 - Ontem à tarde, e depois de carregar no pedal (não se faz, mas às vezes sabe bem) em direcção a casa, fui parada, na estrada que liga Peniche à terreola onde estamos, por um rebanho. Cabras e mais cabras, os chocalhos a marcar o silêncio do campo. Vieram-me à memória lembranças de outros tempos. Em que o avô que já não tenho guiava um carro de bois onde nós nos gostávamos de empoleirar. Um pomar para regar (o que nós adorávamos pegar na enxada e desatar a abrir os regos das árvores), animais para alimentar, fruta para comer acabadinha de apanhar da árvore, acabadinha de trepar, um baloiço só para nós. Bons tempos, esses, em que nada nos atraiçoava a paz.
4 - Mais do que esta tia/madrinha maluca, o meu Piu-Piu tem um padrinho doido, que se lembrou de lhe oferecer uma caixa de areia mágica. Dentro de água molda-se e brilha; assim que a tiramos está absolutamente seca. Um divertimento giríssimo e de tirar a paciência a qualquer tia, a tentar controlar quatro mãos dentro de um recipiente pequeno, e com imensa vontade em ‘ajudar’, para que o chão não fique transformado num rio. Mas cada um tem o que merece. Que poderia eu esperar quando lhes prometo encher de conchas um peixe de plástico e acabo a andar um quilómetro de praia a apanhá-las? Ou quando ao bacalhau Horácio e sua amiga aranha Susana se junta agora uma minhoca de nome Joana? Ou quando acreditam piamente que os meus olhos só abrem, de manhã, se receber uma chuva de beijos nas duas faces (se for só numa, só abre um olho)? Mas eu não me queixo. Não mesmo. ;)
5 - A Faúsca (como ela própria se intitula) tem passado estes dias a dizer ‘Ó tia, estás tão bonita!’ O que eu agradeço, claro. Nem é da roupa, já percebi, porque acontece tanto quando me vê com um vestido de praia, como com os calções mais simples ou acabada de sair do banho, com o cabelo todo molhado. De vez em quando lembra-se de me elogiar. Pode ser de estar a ficar morenaça, mas tenho a impressão que é por causa de outra coisa. Como diria o Sérgio Godinho, deve ser do ‘brilhozinho nos olhos’…